É de conhecimento abrangente a situação em que se encontram muitos municípios do Estado do Ceará, relativo aos seus servidores públicos no tocante a qual lei é aplicada na relação entre estes e a administração pública, que em conformidade com o caso concreto, poderá ser o Regime Jurídico Único, se houver, ou a CLT, fato que geram algumas e importantes diferenças.
A primeira delas encontra-se na competência jurisdicional e em segundo, como no caso requestado, ao pagamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS. Ocorre, porém que existe a dúvida em relação ao motivo pelo qual ao ocorrer à mudança de regime, celetista para estatutário (RJU), o servidor público em questão deixa de ter direito ao FGTS, passando a gozar de forma específica os direitos previstos em lei própria, qual seja, o estatuto, levantando um grande questionamento para saber que fundamentação jurídica justifica a revogação desse direito por uma lei municipal.
O FGTS é um dos direitos básicos do trabalhador regido pela CLT, diante dessa realidade, deve-se observar que a existência do RJU, é o fato que indicará se o servidor público pertence ao regime celetista ou estatutário. Assim, todo servidor que não tiver uma lei própria, chamada de Regime Jurídico Único, é regido pela CLT, logo amparado por todos os direitos garantidos por esta legislação federal.
O fato de estar sob o regime Celetista não acarreta a perda da estabilidade constitucional, e essa é uma das grandes diferenças, entre o servidor público celetista e o empregado público ou privado, conforme a súmula nº 390 do TST, inciso I ao prever:
“ O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988.
Isso o coloca em grande vantagem, visto que, além da estabilidade, também tem direito ao pagamento do FGTS. Ocorre, porém que, os municípios dentro de sua autonomia política e legislativa ( art. 18 e art. 30, inciso I, ambos da Constituição Federal), tem o condão de instituir um Regime Jurídico Único para os servidores públicos, o que instantaneamente incorrerá na mudança do regime celetista para o estatutário. Apesar da vantagem de poder prever novos direitos que não contrariem a carta constitucional e não previstos na CLT, imediatamente o direito ao FGTS é retirado, visto que, o servidor público não goza mais dos direitos previstos na lei celetista.
Imediatamente este “contrato de trabalho” com a administração sofre a chamada extinção, não confundindo com o termo rescisão ou dispensa sem justa causa, produzindo todos os seus efeitos regulados pela CLT. O fato da lei municipal extinguir essa modalidade de contrato de trabalho, é denominado de factum principis, ou seja, fato do príncipe, previsto no art. 486 da CLT, que prevê:
“ No caso de paralisação temporária, ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá, o pagamento de indenização, que ficará a cargo do governo responsável.”
Nesse sentido a emérita doutrinadora Vólia Bonfim Cassar, define:
“ A extinção do contrato de trabalho pode ocorrer em virtude de factum principis[...], que é uma subespécie de força maior. Nesse caso o art. 486, caput, da CLT estabelece que a autoridade que tomou a medida será responsável pela indenização resultante da extinção do contrato de trabalho.”
( Direito do Trabalho, 2ª Edição, pág. 1013)
Claro que o contrato de trabalho é extinto, mas o vinculo empregatício com a administração continua, mudando tão somente o regime, restando diante do contrato anterior uma seara de direitos, como é o caso do FGTS que só existe até a sua extinção, visto que, com a mudança, não há como o que foi extinto continuar em outra relação diferenciada da primeira, ou seja, a lei municipal não revoga direito federal, ela tão somente opera como uma das formas de extinção do contrato de trabalho, qual seja, o fato do príncipe, situação bem definida pela súmula nº 382 do TST, que dispõe:
“ A transferência do regime jurídico de celetista para o estatutário implica extinção do contrato de trabalho, fluindo o prazo da prescrição bienal a partir da mudança de regime.”
Portanto, uma vez extinto o contrato de trabalho, os direitos garantidos para este não podem continuar, sendo possível tão somente que a nova lei que provocou a mudança de regime, crie um direito similar ao FGTS, o que mesmo assim não significaria uma continuidade e sim uma inovação, restando para o servidor público o prazo de dois anos para requerer os direitos do contrato extinto, conforme a súmula nº 362 do TST:
“ É trintenária a prescrição do direito de reclamar contra o não-recolhimento da contribuição para o FGTS, observado o prazo de 2 (dois) anos após o término do contrato de trabalho.”
Alice Monteiro de Barros, define ainda:
“ A mudança de regime celetista para estatutário implica a extinção do contrato de trabalho, portanto o prazo prescricional para reclamar pretensão de cunho trabalhista flui a partir da mudança. Não reivindicados esses direitos nos dois anos contados da alteração do regime, opera-se a prescrição da pretensão (Súmula n. 382 do TST).
( Direito do Trabalho, 5ª Edição, pág. 537)
A questão inclusive é pacificada pela jurisprudência, e pelo próprio TST que através do processo AIRR – 802364/2001, converteu a OJ nº 128 para a súmula nº 382, como demonstrada acima. Não obstante isso, o Supremo Tribunal de Justiça já decidiu:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO. CONVERSÃO DO REGIME CELETISTA PARA O ESTATUTÁRIO. LEVANTAMENTO DO SALDO DA CONTA VINCULADA AO FGTS. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 20, VIII, DA LEI Nº 8.036/90. RESSALVA DE ENTENDIMENTO PESSOAL.
1. O tema inserto no artigo 24-A da Lei nº 9.028/95 não foi debatido pelo Tribunal a quo, deixando a recorrente de manejar embargos de declaração para suprimir eventual omissão, o que atrai o impedimento das Súmulas nos 282 e 356 do STF.
3. Ressalva de entendimento pessoal para se prestigiar a tese prevalecente, ante a função uniformizadora desta Corte.
5. Recurso especial conhecido em parte e provido.
Portanto, com a extinção do contrato de trabalho, o direito ao FGTS a partir da mudança de regime está extinto, e por não ser uma rescisão contratual ou demissão sem justa causa, esse valor adquirido durante o tempo em que o servidor público esteve sob o regime celetista, só poderá ser levantado na hipótese do art. 20, inciso VIII da lei 8.036/90, que prevê:
“Art. 20 – A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações:
(...)
VIII- Quando o trabalhador permanecer 3 (três) anos ininterruptos, a partir de 1º de julho de 1990, fora do regime do FGTS, podendo o saque, neste caso, ser efetuado a partir do mês de aniversário do titular da conta.”
O termo “fora do regime do FGTS” refere-se justamente ao período em que o servidor público permanece sob o regime estatutário, salientando que a mudança caracteriza-se como extinção, não gerando direito portanto de levantar o FGTS a partir da mudança, conforme dispõe o §1º, do art. 6º da lei nº 8.162/90, analogicamente aplicado:
“Art. 6º- O saldo da conta vinculada ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, do servidor a que se aplique o regime da Lei nº 8.112, de 1990, poderá ser sacado nas hipóteses previstas nos incisos III a VII do artigo 20 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990.
§ 1º É vedado o saque pela conversão de regime.
Assim verificam-se a existência de dois regimes que devem ser visto sob óticas diferenciadas, na medida em que a eficácia de um extinguirá a eficácia do outro, criando uma nova relação jurídica dentro do mesmo vínculo de trabalho, podendo os direitos contidos naquele que foi extinto serem cobrados dentro do prazo prescricional de dois anos a partir da vigência do outro regime, previsão contida também no art. 7º, inciso XXIX da Constituição Federal, impossibilitando a continuidade e a vigência deste, assim como os direitos que eram garantidos para o contrato extinto, levando-nos a conclusão de que não há como o servidor público regido por RJU, continuar gozando do direito ao FGTS, visto que passou a pertencer a outro regime, operando seu estatuto devidamente aprovado e publicado como uma forma de extinção do contrato de trabalho, o que acarreta tão somente o direito a requerer o FGTS deste contrato extinto, dentro do prazo prescricional, não existindo inconstitucionalidade alguma na lei que afasta esse direito, visto que ela não contraria a Constituição Federal ou qualquer norma dessa natureza, funcionando apenas como uma forma de extinção do contrato de trabalho, entendimento este já pacificado pelos tribunais superiores e disposto na própria norma federal (CLT), como fato do príncipe, passando para outro regime que é o RJU, e não mais a CLT.
Nesses termos, o servidor público estatutário, não tem direito ao FGTS.