segunda-feira, 8 de junho de 2009

Contrato Temporário no Serviço Público: Direitos e Constituição.



Vejamos o que dispõe o inciso II, do artigo 37 da Constituição Federal:

“A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declaro em lei de livre nomeação e exoneração.”

É sabido que, no interior do estado, o ingresso no serviço público, muitas vezes, não é através de concurso público, seja por negligência, imprudência ou com intuito apenas de conseguir votos para o gestor, surgindo assim a contratação temporária que viola o dispositivo constitucional, mas que não afasta jamais os direitos adquiridos durante o vínculo trabalhista do contratado, que apesar de nascer viciado, por muitas vezes perdura durante anos, sem que haja interrupção. Esse é um novo entendimento que vem crescendo no meio jurídico.

No referido artigo, não se observa quais seriam os efeitos de uma contratação que violasse o instituto do concurso público, ou seja, não é citado no presente dispositivo, se o contrato realizado fora dessa seara geram direitos até ser declarada sua nulidade (ex nunc), ou se retroage não produzindo nenhum efeito (ex tunc). Por outro lado, o artigo 7º da Constituição Federal, prevê os direitos sociais do trabalhador que buscam justamente a melhoria de sua condição social, caracterizando-se como um direito de segunda geração, colocando-os em uma posição privilegiada conforme o entendimento de Themistocles Brandão Cavalcanti:

“o começo do nosso século viu a inclusão de uma nova categoria de direitos nas declarações e, ainda mais recentemente, nos princípios garantidores da liberdade das nações e das normas da convivência internacional. Entre os direitos chamados sociais, incluem-se aqueles relacionados com o trabalho, o seguro social, a subsistência, o amparo, à doença, à velhice, etc.”(grifo nosso)
(Princípios Gerais de Direito Público, 3.ed. p. 202).

Nesse sentido apesar do inciso II, do artigo 37 vedar o ingresso ao serviço público que não seja por concurso, o dispositivo não pode entrar em conflito com o artigo 7º e incisos que prevêem os direitos sociais, demonstrando através de uma interpretação sistemática de ambos, que devem ser aplicadas as regras interpretativas que garantam, dentre elas, a máxima efetividade das normas constitucionais, conforme dispõe Canotilho:

“[...] da máxima efetividade ou da eficiência: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficiência lhe conceda;”

Assim, vigora atualmente o chamado princípio pro omnium, onde as normas devem ser interpretadas de tal forma que beneficiem o ser humano, levando-se em consideração a moralidade e o senso de justiça, ou seja, apesar da contratação temporária ser inconstitucional não pode ser afastada a aplicabilidade do artigo 7º e incisos que garantem direitos aos trabalhadores, até porque, o presente vínculo não caracteriza trabalho proibido e sim ilícito, pois a função assumida na maioria das vezes, é criada por lei, surgindo o vício em seu modo de ingresso, mas que uma vez iniciado, cria-se a expectativa de legalidade.

Dentro desse entendimento a sumula nº 363 do TST, que dispõe somente o direito a FGTS e Saldo de Salário, viola princípios constitucionais confrontando o artigo 7º e incisos da Constituição Federal, atropelando as regras interpretativas que garantem a máxima efetividade destas, não podendo ser aplicada de forma genérica em todos os litígios que surjam perante o judiciário, visto que, o contratado em sua maioria age de boa-fé sendo resguardado pela segurança jurídica criada em torno do fato, que para ele, não caracterizava nenhuma irregularidade.

O referido princípio da Segurança Jurídica, é definido por Helly Lopes Meirelles:

“no direito público, não constitui uma excrescência ou uma aberração admitir-se a sanatória ou o convalescimento do nulo. Ao contrário, em muitas hipóteses o interesse público prevalecente estará precisamente na conservação do ato que nasceu viciado mas que, após, pela omissão do Poder Público em invalidá-lo , por prolongado período de tempo, consolidou nos destinatários a crença firme da legitimidade do ato. Alterar esse estado de coisas, sob o pretexto de estabelecer a legalidade, causa mal maior do que preservar o status quo ante. Ou seja, em tais circunstâncias , no cotejo dos dois subprincípios do Estado de Direito, o da legalidade e o da segurança jurídica, este último prevalece sobre o outro, como imposição da justiça material.” (grifo nosso).
(Direito Administrativo, 33.ed. p. 98).

Observa-se que apesar de nascer viciado confrontando o artigo 37, inciso II da Constituição Federal, o decurso de tempo, faz com que o contratado acredite na legalidade da contratação, fato controverso que só vem à tona, após a sua dispensa sem justa causa, indicando sua boa-fé subjetiva. O emérito doutrinado Helly Lopes Meirelles, prossegue:

“A moralidade aqui examinada é semelhante à “boa-fé subjetiva” do Direito Privado, denotando um “estado de consciência ou convencimento individual de obrar em conformidade ao direito” ou a “idéia de ignorância de crença errônea, ainda que escusável, acerca da existência de uma situação regular.”
(Direito Administrativo, 33.ed. p. 99).

O Supremo Tribunal Federal consolida o princípio da Segurança Jurídica e da Boa-fé subjetiva, ao dispor:
“essencialidade do postulado da segurança jurídica e a necessidade de se respeitar situações consolidadas no tempo, amparadas pela boa-fé do cidadão (seja ele servidor público ou não), representam fatores a que o Judiciário não pode ficar alheio.”( grifo e negrito nosso).
(Juarez Freitas, Estudos de Direito Administrativo, 2ª Ed., 1997, PP. 11-32, e MC 26.200-1, DJU de 27/10/2006).

Logo, se presente a boa-fé (art. 118 do CC), juntamente com a segurança jurídica criada pela falsa situação de legalidade, não há que se falar na afastabilidade de todos os direitos concernentes ao vínculo de trabalho, pois apesar da nulidade da contratação, ela só se torna efetivamente nula a partir da declaração, que deve ser feita pela administração gerando apenas efeitos ex nunc. Dispõe o Supremo Tribunal Federal, através da súmula nº 346:

“A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.”

Assim, o vínculo é válido até que a nulidade seja declarada, devendo o pacto laboral anterior surtir todos os seus efeitos legais. Saliente-se que a nulidade presente não se equipara a nulidade aplicada no Código Civil, até porque é uma relação diferenciada, envolvendo um contrato de trabalho, que apesar de nulo, perdura por anos, fruto da eficácia de um trabalho que foi prestado. Nesse sentido Alice Monteiro de Barros:

“Outros autores sustentam que a teoria das nulidades do Direito Civil é inaplicável ao contrato de trabalho, porque, havendo dispêndio de energia física ou mental pelo empregado, não há como restituí-la, retornando as partes ao estado em que se encontravam ao celebrar o ajuste.
Em face dessa peculiaridade, vários autores afirmam que a regra, em Direito do Trabalho, deve ser a irretroatividade da nulidade, ou seja, o ato nulo produz efeitos até a data da declaração da nulidade, “subvertando um dos princípios cardeais da teoria civilista das nulidades.”Isso significa que os efeitos serão ex nunc.”
(Direito do Trabalho, 5.ed. p. 521).

Diante dessas considerações iniciais, é impossível que seja restabelecido o status quo ante, visto que, o ingresso no serviço público só é possível mediante concurso, mas não pode ser afastado o direito do contratado em receber todos os direitos trabalhistas do período, até porque a administração pública não teve nenhum prejuízo muito menos à coletividade, que afasta inclusive a possibilidade de alegar que a vaga ocupada prejudicou um concursado, pois muitas vezes o que vem sendo tentando pelo poder executivo é anular concurso público, não sendo justo que sejam suprimidos os seus direitos, devendo receber como se assim fosse, aplicando neste caso o art. 182 do Código Civil:

“Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente."

Seguindo esses preceitos, evita-se conseqüentemente o enriquecimento sem causa (art. 884-886 do CC) da administração, que deverá pagar todas as verbas rescisórias e indenizatórias, independentemente do contratado ter ingressado de forma indevida no cargo, em respeito à Constituição Federal e aos seus princípios, que apesar de vedarem o ingresso sem concurso jamais afastaram os direitos sociais pertinentes aos trabalhores, assegurando-se a defesa da dignidade da pessoa humana que não pode por uma interpretação estritamente legalista, ter seus direitos sociais violados, pois prestou o serviço efetivamente sem que nunca tenha causado prejuízos para a administração ou para terceiros.

Portanto, contratados, fiquem alerta, e briguem por seus direitos !

FRIDTJOF ALVES.