quinta-feira, 25 de junho de 2009

ESTATUTÁRIO OU CELETISTA ?!? A PUBLICAÇÃO DO ESTATUTO E A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO.


É sabido que vários municípios do Estado do Ceará apesar de terem um Regime Jurídico Único voltado para o servidor público, não passaram pelo requisito primordial que gera a sua efetiva aplicação, qual seja, a publicação em órgão oficial conforme os preceitos estabelecidos no artigo 1º da Lei de Introdução do Código Civil.

Por sua vez, na realidade, a publicação de muitos RJU passaram pelo simples procedimento de fixação na parede da câmara ou da prefeitura, que não são órgãos oficiais de publicação, tornando nula sua publicidade, e assim o servidor passa novamente a ser regido pelo regime celetista, o que altera a competência, saindo da justiça estadual para a do trabalho, excluindo direitos previstos no estatuto, porém, surgindo novos direitos previstos na CLT, como por exemplo, o FGTS.

Sem dúvidas de que atualmente, diante da realidade em que a justiça estadual vem passando, a justiça do trabalho, seja a mais apropriada, devido não só a celeridade processual, pois o grande mal que aflige as cidades do interior do estado, são as comarcas vinculadas, como em relação à autonomia, visto que, na maioria das comarcas da justiça estadual, tem-se uma aproximação muito grande entre o poder judiciário e o executivo, prejudicando as ações judiciais movidas contra o município.

Diante de muitas ações movidas, em relação a nulidade dos Regimes Jurídicos Únicos por vícios em sua publicação, o Tribunal Regional do Trabalho acabou por criar dois entendimentos, que foi unificado em 07/10/2008, através da resolução 348/2008, ao dispor na súmula nº 01:

“SOMENTE DE ADMITIR, COMO VÁLIDA E EFICAZ, LEI QUE INSTITUIR R.J.U., QUANDO SUA PUBLICAÇÃO HOUVER SIDO FEITA EM ÓRGÃO OFICIAL, NOS TERMOS DO ART. 1º DA L.I.C.C.”

Vejamos o disposto no artigo 1º da L.I.C.C.:

Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada.
Logo, o fato de fixar na parede a publicação do RJU, não é suficiente para caracterizar a sua validade, inexistindo no plano jurídico, não podendo ser aplicado de imediato. Nesse sentido muitas são as decisões sobre a matéria no Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região, a saber:

EMENTA: SÚMULA Nº 01 DESTE REGIONAL.REGIME JURÍDICO ESTATUTÁRIO. LEI MUNICIPAL. NÃO PUBLICAÇÃO. CONSEQÜÊNCIA - Desprovido de requisito formal imprescindível, porque não publicado nos moldes estabelecidos na Lei de Introdução ao Código Civil, tem-se por inexistente no mundo jurídico o Regime Estatutário que objetivava reger as relações de trabalho entre o Município de Ocara e seus servidores. Desta forma, a CLT exsurge como a norma adequada à disciplina de tais relações, sendo a Justiça do Trabalho a competente para dirimir os litígios delas decorrentes. Nesse sentido a Súmula nº 01 desta Corte.
(TRT7, 1ª Turma, RO-00415/2008-021-07-00-1, Relator: Antônio Marques Cavalcante Filho, Data da Publicação: 27/05/2009)

EMENTA: I - RECURSO DO MUNICÍPIO - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - R.J.U. NÃO VALIDAMENTE PUBLICADO - FGTS DEVIDO. Nos termos da Súmula nº 01, deste Regional, "Somente de admitir, como válida e eficaz, lei que instituir R.J.U., quando sua publicação houver sido feita em órgão oficial, nos termos do art. 1º, da LICC. (Res. 348/08 - DOJT 15, 16 e 17 de outubro de 2008)." Se a publicação não obedece tais requisitos, tem-se que o reclamante encontrava-se jungido ao modelo celetista, fazendo jus, desse modo, ao FGTS. Recurso conhecido, mas não provido. II - RECURSO DA RECLAMANTE - HONORÁRIOS DE ADVOGADO NA JUSTIÇA DO TRABALHO - A verba de honorários de advogado é devido nos termos da Constituição Federal em vigor (art. 133) e legislação infraconstitucional, como art. 20 do CPC e Estatuto da OAB (art. 22). Recurso conhecido e provido.
(TRT7, 1ª Turma, RO-00123/2008-021-07-00-9, Relator: Manoel Arízio Eduardo de Castro, Data da Publicação: 20/05/2009)

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO - LEI MUNICIPAL. REGIME JURÍDICO ÚNICO. PUBLICAÇÃO. VALIDADE. EFICÁCIA. De conformidade com o entendimento contido na Súmula nº 01 do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região, somente de admitir, como válida e eficaz, lei que instituir RJU, quando sua publicação houver sido feita em órgão oficial, nos termos do art. 1º da LICC. 2 - FGTS. O recolhimento do FGTS deve ser limitado até a data de publicação em órgão oficial do RJU Estatutário, eis que, após essa data, refoge à competência da Justiça do Trabalho.
(TRT7, 2ª Turma, RO-00965/2007-021-07-00-0, Relator: Cláudio Soares Pires, Data da Publicação: 02/04/2009)

EMENTA: REGIME JURÍDICO ÚNICO DO MUNICÍPIO NÃO RECONHECIMENTO. De acordo com a Súmula nº 01 deste Colendo TRT, somente é de se admitir, como válida e eficaz, lei que instituir R.J.U., quando sua publicação houver sido feita em Órgão Oficial, nos termos do Artigo primeiro da L.I.C.C.
(TRT7, 2ª Turma, RO-00375/2008-024-07-00-7, Relator: Regina Gláucia C. Nepomuceno, Data da Publicação: 07/01/2009)

EMENTA: INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO LEI MUNICIPAL INSTITUIDORA DO RJU.AUSÊNCIA DE PROVA DA PUBLICAÇÃO. Não há como se acolher preliminar de incompetência material da Justiça do Trabalho, se não há prova de que a lei municipal instituidora do regime estatutário tenha sido publicada em órgão de imprensa oficial.
(TRT7, RO-03914/2006-030-07-00-0, Relator: José Antonio Parente da Silva, Data da Publicação: 28/11/2007)

EMENTA: REGIME JURÍDICO ESTATUTÁRIO LEI MUNICIPAL. NÃO PUBLICAÇÃO. CONSEQÜÊNCIA. Desprovido de requisito formal imprescindível, porque não publicado nos moldes estabelecidos na Lei de Introdução ao Código Civil, tem-se por inexistente no mundo jurídico o Regime Estatutário que objetivava reger as relações de trabalho entre o Município de Reriutaba e seus servidores. Desta forma, a CLT exsurge como a norma adequada à disciplina de tais relações, sendo a Justiça do Trabalho a competente para dirimir os litígios delas decorrentes.
(TRT7, RO-00615/2006-029-07-00-3, Relator: Antonio Marques Cavalcante Filho, Data da Publicação: 27/11/2007)

EMENTA: Incompetência absoluta da Justiça do Trabalho. Preliminar rejeitada. Havendo pedido relativo a direito trabalhista (salários retidos), decorrente da relação de emprego, cabe a esta Justiça especializada a competência para dirimir a questão, nos termos do art. 114 da Constituição Federal. Preliminar que se rejeita. RJU não publicado de forma oficial. Lei. Obrigatoriedade. Publicação oficial. Vigência. Art. 1º da LICC. O argumento de que a Lei instituidora do RJU tornou-se pública no momento da sua afixação nas portarias da Prefeitura e Câmara de Vereadores e, a partir de então, seus servidores passaram a ser estatutários, não merece acolhimento. A lei, para tornar-se obrigatória, deve ser publicada de forma oficial, isto é, no Diário Oficial, a fim de ser integralmente conhecida e cumprida pela sociedade, isso de conformidade com o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Civil.
(TRT21, RO-01627/2002-921-21-00-8, Relator: José Barbosa Filho, Data da Publicação: 27/11/2007)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DESCABIMENTO. LEI MUNICIPAL. PUBLICIDADE. INSTITUIÇÃO DO REGIME JURÍDICO ÚNICO. Inexistentes as ofensas indicadas e desafiando o apelo, o revolvimento de fatos e provas (Súmula 126/TST), impossível o processamento de recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e desprovido.
(TST, AIRR-1627/2002-921-21-00.8, Relator: Ministro ALBERTO BRESCIANI, Data da Publicação: 30/05/2008)

Maria Helena Diniz na obra “Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada”, Saraiva, 5ª edição, p. 46, “verbis”:

“(...) A promulgação, por ser ato da competência do Executivo, é que dará força executória à lei, que tenha sancionado, dando-lhe autenticidade. A publicação é o ato pelo qual a lei é levada ao conhecimento de todos os que lhe devam obediência, tornado-se obrigatória. A obrigatoriedade, portanto, supõe a publicação, sendo que a lei só a adquirirá, após a vacatio legis (...). A lei tornar-se-á obrigatória, repetimos, só após a sua publicação, por gerar a presunção de que a norma jurídica, já formada e declarada em execução, chegou ao conhecimento daqueles que são adstritos a obedecer ao seu comando e dos que devem executá-la e aplicá-la. A publicação da lei deverá ser oficial (RF, 33:352), ou seja, feita sob a responsabilidade do governo, no Diário Oficial, para que mereça fé e tenha autenticidade, a fim de ser conhecida pela sociedade e obedecida pelos seus destinatários, embora sua vigência não se inicie desde logo, exceto se o legislador assim o determinar.
(...)
A executoriedade é, portanto, o efeito da promulgação, por isso é, repetimos, o ato que atesta sua existência, e a obrigatoriedade, da publicação.”

Apesar de ser um entendimento pacificado desde a sumula n° 1 do TRT7, algumas dúvidas ainda surgem quanto em relação à previsão legal da fixação da lei nas paredes da câmara e prefeitura. Se a lei orgânica municipal prevê essa hipótese, a publicação será válida, e assim o diário oficial deixa de ser obrigatório ?

Para insatisfação do poder executivo essa previsão é “letra morta”. O artigo 22 da Lei Orgânica do município de Milhã assim prevê:

“Art. 22 – A publicação das leis e dos atos municipais far-se-à em órgão oficial ou, não havendo, em órgãos da empresa local.
§Único – No caso de não haver periódicos no Município, a publicação será feita por afixação, em local próprio e de acesso público, na sede da Prefeitura ou da Câmara Municipal.”

Porém, deve-se ressaltar que apesar da autonomia dos municípios em legislarem sobre os seus assuntos, não se pode extrapolar o limite estabelecido pela Constituição Federal nos artigos 29 e 30, respectivamente:

“Art. 29 – O município reger-se-á por Lei Orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estados [...].
Art. 30 – Compete aos municípios:
II – Suplementação a legislação federal e a estadual no que couber.”

Quando a lei orgânica legisla sobre um assunto que é de competência de lei ordinária federal legislar, está indo além do que pode, extrapolando o seu limite, nem mesmo suplementando, até porque, a previsão já existe no LICC não remetendo a nenhuma lei específica ou complementar que trate sobre a matéria, não sendo nem mesmo de interesse local, visto que, a publicação das leis é algo de interesse nacional.

Uma vez verificada a distorção, constata-se uma antinomia própria de 1º grau, aplicando-se os critérios da especialidade, hierarquia e cronológico, neste caso da hierarquia, a lei superior, afasta a lei inferior, logo a Lei de Introdução do Código Civil é hierarquicamente superior a Lei Orgânica, afastando a sua disposição.

Não bastassem os argumentos da lei e doutrina, a jurisprudência tem decidido nesse sentido, conforme trecho retirado do acórdão:

“Afirma o Município recorrente que os municípios possuem autonomia, sendo o mesmo regido por sua lei orgânica, cujo artigo 88 prevê a forma de publicação das leis e atos municipais.
Sem razão o recorrente.
Embora o ordenamento pátrio privilegie a autonomia dos municípios, os mesmos não podem legislar contrariamente à hierarquia das normas, sendo certo que mudança do regime contratual para o regime estatutário decorre de lei, tendo como requisito para sua validade a regular publicação, conforme disposição da Lei de Introdução ao Código Civil.”
(TST, AIRR-1627/2002-921-21-00.8, Relator: Ministro ALBERTO BRESCIANI, Data da Publicação: 30/05/2008)

Assim, nem mesmo se a previsão estiver disposta em Lei Orgânica Municipal ela será válida, aplicando-se a regra do LICC. De qualquer forma, o fato da competência ser transferida da justiça estadual para a justiça do trabalho, já colabora inclusive na diminuição da grande quantidade de processos, uma vez que, distribuídos para a Justiça do Trabalho, ajudaria a desafogar a Justiça Estadual. Porém, o maior problema não está dentro dessa discussão e sim em outra bem mais profunda.

Não se pode olvidar que o poder legislativo tem sido incompetente na elaboração de suas normas, criando dispositivos que permitem uma interpretação dúbia, como ocorreu com o inciso I, do artigo 114 da Constituição Federal, adicionado pela emenda 45/2004, que transferia para a Justiça do Trabalho a competência para as ações oriundas da relação trabalhista com os entes de direito público externo, independente do servidor ser estatutário ou celetista.

Bem verdade que o Supremo Tribunal Federal – STF, com leis tão mal elaboradas, é que está legislando nesse país dando a interpretação que entender cabível, quase sempre, prejudicando toda uma coletividade, como fez com o referido artigo, ao suspender toda e qualquer interpretação, passando a competência novamente para a justiça estadual, gerando toda a discussão da publicação, problema ao meu ver que só poderá ser corrigido através de uma PEC(Proposta de Emenda Constitucional), deixando claro que competirá a Justiça do trabalho todas as ações oriundas de servidores públicos sejam eles estatutários ou celetista, encerrando de uma vez por todas as interpretações e discussões de publicação de estatutos. A discussão sempre irá parar no STF, e se o pretório excelso interpreta um artigo com tanta infelicidade, o que dirá de uma decisão de uma instância inferior.

Por outra feita, analisando alguns Regime Jurídico Único dos servidores, verifica-se uma seara de direitos, que serão afastados com a incidência do regime celetista, quais sejam, qüinqüênio, licença-prêmio, licenças específicas e entre outros, que devido ao grande lapso de tempo entre a possível publicação do estatuto até os dias atuais estão em pleno vigor, gerando uma segurança no gozo desses direitos, que se perpetuaram no tempo, caracterizando o princípio da Segurança Jurídica, que tem um valor superior aos direitos conferidos no regime celetista, dentre eles o FGTS.

Portanto, dentro da realidade dos municípios do Ceará, após analisar minuciosamente alguns Estatuto, em defesa do princípio da Segurança Jurídica, seja mantido o regime estatutário, mesmo com a dúvida de sua publicação, não só para preservar todos os direitos dos servidores que serão revogados caso voltem a ser celetistas, como por uma questão de dúbia interpretação, que poderá prejudicar futuras ações, devido às malfadadas interpretações do STF, pois o princípio da segurança jurídica, no momento atual, é bem mais importante do que a da celeridade processual.
Fridtjof Alves.