Na Antigüidade Oriental encontramos a existência de um DI. O tratado mais antigo de que se tem notícia é o do ano 3100 a.C., entre Eamatum, senhor da cidade-Estado de Lagash, e os homens de Umma, duas cidades na Mesopotâmia. As fronteiras entre os dois mencionados Estados seria fixadas pelo Rei Mesilin, rei de Kish. Segundo Nussbaujm. Mesilin não teria atuado como árbitro, porque “provavelmente era uma espécie de senhor dos príncipes daquelas duas outras comunidades”. Taube já considera que Mesilin teria atuado como árbitro com base em algum tratado.
Já não se tratava de proteger indivíduos sob certas condições ou em situações circunscritas como no passado ( por exemplo, a proteção de minorias, de habitantes de territórios sob mandato, de trabalhadores sob as primeiras convenções da OIT ), mas doravante de proteger o ser humano como tal.
Essa necessidade de proteção deve-se aos acontecimentos que envolveram diversos Estados no decorrer da História, criando-se uma consciência de respeito aos direitos fundamentais de toda a humanidade e a outros direitos inerentes ao homem que na época deveriam ser assegurados não só na legislação interna, mas também na externa através dos tratados, como prossegue Trinidade (2000, p. 24):
Subjacentes a esta unidade conceitual estavam as premissas básicas de que os direitos proclamados são inerentes ao ser humano, anteriores, portanto a toda e qualquer forma de organização política ou social, e de que a proteção de tais direitos não se esgota – não pode se esgotar – na ação do Estado. É precisamente quando as vias internas ou nacionais se mostram incapazes de assegurar a salvaguarda desses direitos que são acionados os instrumentos internacionais de proteção.
Diante disso, o Brasil tornou-se um dos países que mais aderiu aos tratados internacionais, não deixando dúvidas que nosso Estado é um participante ativo. Porém, o grande problema em questão é a eficácia dessas normas, já que a sua aplicação no âmbito interno, está se resumindo em uma mera intenção, visto que o Brasil em muitas vezes é um violador. Esta celeuma é abordada por José Afonso da Silva (2007, p.165):
[...] o grande problema é o da eficácia das normas de declaração de direitos. O problema é ainda mais agudo em se tratando de uma Declaração Universal, que não dispõe de um aparato próprio que a faça valer, tanto que o desrespeito acintoso e cruel de suas normas, nesse mais de meio século de sua existência, tem constituído uma regra trágica, especialmente no nosso continente e também no nosso país.
É evidente que há uma cultura de desrespeito às leis internacionais, visto que, há uma carência do nosso Poder Judiciário no uso destas em suas decisões, do Poder Legislativo na elaboração de leis que garantam ainda mais a proteção a estas normas e do Poder Executivo que atualmente é um dos maiores violadores. Celso Albuquerque de Mello (2000, p.209), afirma com a devida importância que:
O Poder Judiciário é obrigado a aplicar o tratado. O Executivo deverá cumpri-lo e o Legislativo, se for o caso, deverá elaborar leis necessárias para a sua execução. O descumprimento de qualquer uma destas obrigações acarretará a responsabilidade internacional do Estado.
Essa obrigatoriedade de cumprimento, surge de um princípio natural chamado de pacta sunt servanta, onde o pacto é lei entre as partes, ficando o Estado com o encargo de cumprir essa determinação, como define Mello (2000, p. 208):
O fundamento dos tratados internacionais, isto é, de onde eles tiram a sua obrigatoriedade, está na norma pacta sunt servanda, que é um dos princípios constitucionais da sociedade internacional e que teria seu fundamento último no direito natural.
Infelizmente o Brasil tem criado discussões doutrinárias gerando conflitos entre normas internacionais e internas, como se estas anulassem a primeira, utilizando isto para justificar a sua precária aplicabilidade e muitas vezes a sua violação. Dispõe Rezek (2006, p. 97) que
De setembro de 1975 a junho de 1977 entendeu-se, no plenário do Supremo Tribunal Federal, o julgamento do Recurso Extraordinário nº 80.004, em que assentada por maioria a tese de que, ante a realidade do conflito entre tratado e lei posterior, esta, porque expressão última da vontade do legislador republicano, deve ter sua prevalência garantida pela Justiça – não obstante as conseqüências do descumprimento do tratado, no plano internacional.
Essa mesma linha de pensamento é defendida por Alexandre de Moraes (2005, p. 663) ao dispor:
Não existe hierarquia entre as normas ordinárias de direito interno e as decorrentes de atos ou tratados internacionais. A ocorrência de eventual conflito entre essas normas será resolvida ou pela aplicação do critério cronológico, devendo a norma posterior revogar a anterior, ou pelo princípio da especialidade.
Essa linha de pensamento torna os tratados internacionais infraconstitucionais, ou seja, eles se equiparam às leis ordinárias, a diferença primordial diz respeito ao conteúdo, pois se não versarem sobre direitos humanos, o seu fundamento jurídico de incorporação ao direito interno está previsto no art. 5º, § 2º, da Constituição Federal que prevê:
Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
As decisões recentes do STF mudam esse caráter infraconstitucional para supralegal, conforme proferiu o Ministro Gilmar Mendes, no RE nº 466.343-SP, ou seja, os tratados internacionais passam a ser considerados maiores que uma lei ordinária e menores do que a Constituição. De outra feita, os tratados e convenções que versarem sobre direitos humanos, estão amparados pelo art. 5º, § 3º, da Lex Mater, que dispõe:
Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
Diante do dispositivo, as normas internacionais que versarem sobre direitos humanos possuem caráter constitucional. O Ministro Celso de Mello em decisão recente, HC nº 87.585-TO, separou o direito internacional em dois blocos, os tratados de direitos humanos e os demais tratados, os primeiros com caráter constitucional e os segundos infraconstitucional. O Professor Luiz Flávio Gomes, justifica a decisão embasado no princípio pro homine, ao dispor que:
[...] Indaga-se: e quando os tratados internacionais conflitam com a Constituição brasileira, isto é, quando a incompatibilidade vertical ocorrer entre o DIDH e a CF, qual norma prepondera? Como podemos dirimir esse conflito? [...][...] Em outras palavras, no plano material não há que se falar (ou melhor: é irrelevante falar) em hierarquia entre as normas de Direitos Humanos. Por quê? Porque por força do princípio ou regra pro homine sempre será aplicável (no caso concreto) a que mais amplia o gozo de um direito ou de uma liberdade ou de uma garantia. Materialmente falando, portanto, não é o status ou posição hierárquica da norma que vale, sim, o seu conteúdo (porque sempre irá preponderar a que mais amplia o exercício do direito ou da garantia). {...}
Não bastasse o conflito que obstaculariza a aplicação das normas internacionais, por sua vez, os nossos magistrados, ainda não valorizam os tratados, aprofundando ainda mais a falta dessa aplicação, afirmando Paulo Bonavides (2008, p. 578), ao se referir a declaração universal dos direitos humanos e a sua aplicação:
A Declaração será, porém, um texto meramente romântico de bons propósitos e louvável retórica, se os países signatários da Carta não se aparelharem de meios e órgãos com que cumprir as regras estabelecidas naquele documento de proteção dos direitos fundamentais e sobretudo produzir uma consciência nacional de que tais direitos são invioláveis.
Falta para nossos operadores do Direito essa consciência nacional, para que antes de qualquer discussão entre conflitos de normas, a aplicabilidade seja realmente efetiva e possa sair do papel para a nossa realidade.Observa-se sem dúvidas, que algumas medidas podem colaborar para que a aplicação torne-se mais efetiva. Em longo prazo, os cursos de direito devem em suas disciplinas apropriadas estudar os tratados internacionais mais importantes, para que, além de conhecer o ordenamento interno, o futuro operador do Direito conheça também a norma internacional se familiarizando com esta, para que no momento em que lhe for apresentada não existirem dúvidas sobre a sua aplicação. Em médio prazo, a Associação de Magistrados deve disponibilizar cursos e palestras para que os juízes conheçam mais essas normas de tratados internacionais e a importância de sua aplicação. A OAB poderia fazer o mesmo com os advogados que devem usar essas normas em suas peças processuais. Em curto prazo e imediatamente, o STF já deveria estar dando exemplo disso e aplicando boa parte desses tratados internacionais em suas decisões o que hoje ainda é muito tímido, produzindo súmulas, inclusive que ressaltassem a importância dessas normas no plano prático e a sua aplicação perante determinadas situações do nosso Direito. O conflito entre as normas diante dessa realidade, deve ser solucionado de uma maneira que uma não prejudique a outra, levando-se em conta os critérios hierárquico, específico e cronológico, buscando atender o fim que seja mais justo para a solução da lide, pois além de adicionar, esta complementa a norma interna. É importante que sua aplicabilidade não seja a todo momento restringida pela norma nacional, mas que no caso em que for oportuno possa ser aplicada, mesmo quando todos os critérios de soluções não forem capazes de resolver, aplicando-se em todo caso, o princípio pro homine, ou seja, o que for melhor para o homem, pois este é fim, enquanto o direito, é o meio primordial para se alcançar a justiça, seja pela norma de direito interno, ou internacional, que o Brasil seja signatário.